O SONHO DE PANDORA
A primeira imagem me veio
repleta da densidade da noite. Neblinas e brumas, uma constelação de estrelas
distantes, uma frieza capaz condensar a alma, um peso de estranhamento. A
imagem se amplia para descortinar uma antiga estação de trem. Apenas um velho
vendedor de bilhetes observa a noite de brumas e neblinas, aguarda a chegada de
algum passageiro e o horário da próxima parada. Então, como um olho que espia
outro mundo pelo buraco da fechadura de um portal misterioso, me vejo numa realidade
paralela a aproximar-se em câmara lenta, como se surgisse do fundo preto e
nebuloso de uma tela. Uma imagem quase cinematográfica, diante de um cenário
intrigante. Cada passo é cuidadoso, como se a minha concentração dependesse o
resultado de algo importante, precioso e urgente a se fazer. Os olhos percorrem
cautelosamente todas as imediações, atentos aos perigos que surpreendentemente
podem vir ou a expectativa de um encontro marcado. Um vento sorrateiro rodopia
algumas folhas secas, um ou outro pedaço de papel, resíduos de poeira e o
tecido leve das minhas vestes.
Eu continuo a
espreitar os acontecimentos que eu mesmo vivencio. Experimento as emoções em
mim segundo o meu olho invisível – alegoria da minha consciência - e perscrutador
de tudo que simboliza a minha existência além do factual ou além da inexorável
realidade dos dias. Por isso, continuo a espiar para dentro do olho do sonho.
Meus passos acautelam
o silêncio. Por uns poucos instantes procuram algo cuidadosamente. Chego a
temer que o meu olho do sonho se esbarre com aqueles meus olhos atentos e
concentrados. Não permito ainda o confronto, tenho essa obrigação, pois que
isso ocorra o impacto entre a imaginação e a razão poderá romper sua interface
delicada.
Assim, na nebulosa
cena sem o tempo que se marque ou o espaço que se molde, trago nas mãos uma
pequena caixa de madeira, misterioso objeto da minha atenta proteção. Por que
razão meus olhos temem? De quem me escondo nas brumas da noite? O que devo
proteger para que minha alma se preserve do risco mortífero?
Na plataforma de
embarque espero solitária a chegada do trem. Permaneço concentrada, envolta em
pensamentos perfeitamente captados pelo meu invisível olho que tudo sente e vê.
Estou silenciosa, completamente silenciosa, mas temo ouvir o bater do meu
coração, tão alto quanto o apito que anuncia a chegada do trem na estação.
Enfim, encosta e para na linha que marca o embarque. Antes de entrar, olho para
o relógio fixado ao fundo da cabine do bilheteiro e, embora eu sinta o tempo,
não conseguirei depois lembrar sua hora. No céu há uma lua quase a aparecer entre
nuvens ralas.
Embarco. Ao sentar no
banco simples do meu vagão de viagem seguro no colo a preciosa caixa cuja
missão me cabe proteger. O sonoro apito agudo da partida soa.
De repente, uma luz
invasiva desperta meu olho invisível. Acordo meio tonta do sono onírico. As
luzes da cidade ofuscam minha visão e o ônibus avança já próximo à
rodoviária. As pessoas começam a ajeitar seus pertences para a chegada. Olho
pela janela lembrando do sonho naquela estação de trem. Ah! Como
são estranhos os sonhos!
Assim, uma pergunta talvez paire por um longo tempo em minha cabeça: O que será que havia naquela caixa?
Assim, uma pergunta talvez paire por um longo tempo em minha cabeça: O que será que havia naquela caixa?
Genny Xavier
6 comentários:
Um pessimista diria 'nada'; um optimista, porém, diria 'uma caixa cheia de nada'...
...
Gostei!
o encanto das viagens íntimas...
gostei muito.
beijo saudoso.
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. genny .
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. minha querida amiga . :) .
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. feliz pela Sua visita . muito . muito de tanto . espanto .
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. encontrava-me a publicar um post no intemporal aquando da Sua visita . por isso . o blogue . encontrava.se . ainda que por momentos . fechado ao público .
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. e,,, .
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. porque são estranhos os sonhos .
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. reservamo.nos ao direito de todos os porquês .
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. espero por contar conSigo aqui . mais assidua.mente . :) .
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. um beijo . sempre amigo .
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O texto , como sempre, está muito bem estruturado e as fotos bem escolhidas.
Que estaria na caixa? Quem sabe? Algum tesouro escondido ou alguma memória de um momento marcante...
Um apertado abraço, minha querida amiga.
Saudades também Genny, voc~e suavisa as minhas visitas. Definitivamente um show de fotografias...Eu gosto das cores e das composições em geral. Parabéns! Bj
PS: Saudade também do blog do seu irmão.
Adorei o teu conto.
Para além disso, a tua narrativa é fluida e muito agradável de ler. A certa altura, pareceu-me mais o começo de um romance... acho que tens fôlego para isso.
A caixinha das surpresas deixava de o ser se soubèssemos o que havia dentro... rsrs...
Genny, tem um bom resto de semana.
Beijinhos.
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