Abaixo - via a terra - abismo em treva!
Onde a loura comédia canta alegre,
(“O vôo do gênio” – Castro Alves)
"Entre a idéia e o acto cai a sombra
e neste iato está a poesia e sua
capacidade de relacionar o indizível”
(T.S. Eliot)
A poesia é a essência, expressa na paisagem noturna que sopra indagações e dissabores; ou a cadência do andar feminino que embala o ritmo e que moleja o vai-e-vem dos passos, a ondulância das formas; A poesia é a essência, expressa na voz bendita do menino que grita “Olha o quebra queixo!”; ou no poema que se inscreve o palavrear mágico e abominável que o poeta cria; A poesia é a essência fluídica de um perfume no ar, que vai percorrendo entrâncias, frestas e caminhos para pousar nos dedos do poeta que ensaia o poema... Da poesia não se diz, se percebe, se degusta, se aspira, se debruça.
Conceituar poesia nos remete aos olhos que pairam sobre montanhas e idéias. Dá-nos vontade de exercitar o onírico, o lúdico, o belo, o indizível. E lembrar-nos que as palavras se entranham, se combinam se atraem e restituem melodias, sons e ritmos; e criam metáforas e dizeres por trás das coisas.
A poesia e o poema estão unidos e próximos pela relação que o poeta lhes remete. O poeta capta a poesia que se eterniza no poema, “idéia” e “acto” de uma “sombra” que emerge dos escuros, da invisibilidade, da incapacidade daquilo que não se diz. A poesia é o impossível que se desvela; o suspiro, a divagação, a crítica, a construção, a dor, o asco, o susto, inseridos na projeção poética, no paradigma existencial do poeta que, entre a idéia e a forma, captura a poesia que se cristaliza no poema e se instala na literatura.
Mas, afinal, o que é a poesia? De que partícula ela se compõe? Que olhos tem? Que bocas? Quantas mãos? Com qual das faces nos olha a poesia?Mediante os gostos e as diferenças, podemos dizer que a poesia é a essência subjetiva de uma sensação; é o fluído que percorre paisagens, atravessa pessoas e fotografa coisas e objetos; é o parêntesis entre o dizer (expresso pelo poema) e o não-dizer (expresso pela poética). A poesia é a refratação, o interlúdio da razão e o prelúdio da emoção.
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POÉTICA UTÓPICA
e lucidamente tortuosas
as rotas que seguem rumos
que levam nossos pés
na direção dos lobos...
Há consciências inaptas
inadaptadas ao rigor dos tempos...
Estamos taciturnos
e nossa rubra emoção
já não comove o mundo
em refluxo de idéias...
Todos estão mudos
ou hão de estar cegos
expostos à corrosão dos dias...
Eu, poeta, no viés da vida
aspiro os fantasmas dos homens
e sopro as palavras
que externam minha voracidade
de restaurar no tempo
uma nova utopia
em forma de verso...
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INSANIDADE DAS PALAVRAS SENSATAS
Vou soltar os versos como raios,
impressão dos encantos...medo, idolatria...
Como nossos primitivos ancestrais.
O verbo e suas potências reveladas.
A cor, o gosto e o som
de cada sílaba produzida...
Aí verei a mais insana loucura,
Pois só ela me elucida os sentidos
quando cada desejo ansiado
veste-se, empírico, aumentando as incertezas
e sonhos que se derramam pelas têmporas
afinados como os acordes do meu poema.
Vou soltar os versos mais duros
Como duro é o favo do mel
Que adoça a minha boca...
Uma dualidade barroca
Uma sinestesia simbólica
Verso e re-verso da poética dos dias que se repetem...
Aí arrancarei das palavras suas possibilidades:
Uma sensatez cotidiana
Uma placidez de rio
Uma tempestade de chumbo
Uma eclosão de amante...
Poesia, enfim, que personifica as horas mais profundas.
Genny Xavier
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Além do fato explícito
estão todas as intenções prévias
contra o óbvio.
Nunca fabricar o verso
feito exercício.
Apenas canalizar sua hora
porque o instrumento poético
reside, a qualquer instante,
em nossos olhos
e dentro da gente.
E o seu riso
é a palavra:
Semântica do eterno conflito
entre o pensar o dizer...
que sugerem mundos
e visitas que superam viagens
imaginadas ou sonhadas
num canto aconchegante da casa
onde olhos devoram velhas folhas de papel impresso...
As palavras,
que, sonoras, cantam
e, insonoras, gritam
se estendem pelos fios imprecisos das estradas,
antenadas, como a farejar
os suspiros de todos os povos...
que das bocas ferem ou acariciam,
que entre dedos deslizam,
por caminhos suaves ou ásperos,
inscrevem as linhas da vida
e surrealizam as entrelinhas da alma...
Palavras?
Leia-se: um mundo
um ovo
um núcleo
uma centelha...
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A PALAVRA NÁUFRAGA
Há uma solidão perpétua
instalada no pensamento
que ressoa no prumo de cada dia...
E, no intervalo em que a respiração se molda,
moldam-se as palavras que dançam por dentro
nos entremeios de veias, sangue e suores...
E, trazem à tona, a exaustão da alma
num deserto pleno
de beleza crua e explícita
em que elas - as palavras - estão isoladas
num campo inóspito de silêncio e dor...
E, enfim, da voz latente,
náufraga na encéfala ilha,
as palavras se enjaulam
distantes, sonâmbulas e saudosas
da substância-seiva
que nutre a terra fértil
do coração pulsante...
Genny Xavier
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“Agora tu, Calíope, me ensina/ (...)/Inspira imortal canto e voz divina / Neste peito mortal, que tanto te ama.”
(Camões. "Os Lusíadas")
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Um comentário:
Ótima definição para ''poesia'', digamos que me ajudou a fundamentar o que penso sobre poesia. Não sou poeta, mas, às vezes pareço ter vindo da mente de um.
Ótimos escritos, cara Genny.
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