domingo, 22 de março de 2009

DO SUL DA BAHIA...O VERSO DE COR E SOM

ARTIGO: Genny Xavier


SOSÍGENES COSTA: POETA DE FLUIDEZ ATEMPORAL


“(...). Por isso, mais do que exercício de admiração, ler Sosígenes é fruir raro prazer estético. Leitura que, fascinante como uma experiência venturosa, é cada vez a primeira e cada vez a única”.
(Valdomiro Santana)


É notória a assertiva de que a poética de Sosígenes Costa (1901 – 1968), poeta sul-baiano nascido em Belmonte, reveste-se de uma criação diversa que se associa a uma gama de elementos que vão se constituindo numa estilística de confluência entre a tradição parnasiana e simbolista e os ditames da modernidade. Da tradição parnasiana, o poeta constrói seus versos a partir de uma preferência estética pelo soneto, referenciando uma poesia de metrificação rígida, rimas preciosas, vocabulário rico, descritivismo pictórico e referências na cultura oriental; Do simbolismo, sua criação patenteia a sutileza de cores, sons, cheiros, imagens que reafirmam uma linguagem sinestésica, simbólica, repleta de associações místicas e míticas, históricas e culturais que se adiantam ao sabor do tempo e do espaço: “O rei das rosas me enviou da China/ um ramo de jacintos cor da aurora,/ mais belo que a azuréia solferina/ e a floração lilás da passiflora.(...)” (Celeste privilégio. Obra Poética, p. 255); “No jardim do castelo desse bruxo/ d’asas d’ouro e olhos verdes de dragão,/ tu és beira de um lilás repuxo/ um grande lírio de ouro e açafrão.(...)” (Pavão azul. Obra Poética, p. 253).
Esta poética da tradição, longe de se constituir numa marca enfadonha do seu estilo apurado, toma veios novíssimos quando associados aos pressupostos modernistas em que se mesclam um primitivismo colorido, o tom paródico, o coloquialismo, a evocação da infância, o lirismo social, a incursão da cultura regional sul-baiana, com suas relações mitológicas, suas crenças afro-indígenas que dão expressão ao fantástico e ao maravilhoso popular, numa percepção de que a poesia é fonte caleidoscópica, jogo de imagens, profusão de linguagens em que oscilam o velho e o novo, o culto e o popular. Dessa visão do imaginário deste poeta baiano, nos fala Valdomiro Santana: “Como toda obra de arte, a poesia de Sosígenes Costa é intencionalmente sutil. Lembra o jogo de espelhos refletidos. Contém planos e matizes não apenas visíveis nas palavras e nas áreas de silêncio que as cercam e se insinuam entre elas, mas também virtuais no arranjo e ligação dos ciclos de poemas (...)” (Obra poética, 1978).
Dessa expressividade modernista, de apelo universal questionador, alguns temas parecem nos chegar como mensagens sempre atuais, que atravessam as épocas e nos fazem refletir causas humanistas ainda hoje prementes no âmago do homem contemporâneo: “A liberdade está morta/ com seus cabelos tão longos,/ com seus cabelos boiando/ no mar em que se afogou.// A liberdade está morta/ com seus cabelos desnastros./ Caiu, coitada, dos astros/ No mar em que se afogou.// A liberdade está morta/ com seus cabelos tão longos,/ com seus cabelos compridos/ que eu desejava beijar.// A liberdade está morta./ Lá vão os homens buscá-la/ naqueles barcos de vela,/ naqueles barcos com asas.(...)” (A liberdade está morta. Obra Poética, p. 253).
As relações do homem com sua cultura e com os problemas do seu chão, o regionalismo, a ambiência telúrica, com seus matizes próprios, a conotação típica do modernismo dos anos 30, ganha também fortes contornos na obra de Sosígenes Costa. O sul da Bahia do seu tempo, a cultura do cacau, as idiossincrasias peculiares de sua gente, sua natureza, seus mitos e referências, faz-nos saber de uma obra que busca sua identidade numa abordagem que escapa ao sentimento puramente ufanista, mas resgata uma ideologia que se expressa como nacionalista e regional a partir de uma percepção do indivíduo que repensa a sua essência, as suas raízes e se sente seguro neste posicionamento estético: “Flor de cacau toda orvalhada e moça,/ és curtidinha de sereno em Una,/ em Itabuna ainda és mais moça,/ sinhá-moça, mulher grapiúna.// Flor de cacau toda orvalhada e roxa./ Chuva em crisol fez teu lilás moreno./ Serias a paixão de Barba Roxa,/ Se Barba Roxa viesse a este sereno. (...)” (Flor de Cacau. Obra Poética. p. 261).
Outra manifestação das sutilezas do poeta em questão se faz perceber no lirismo eivado de sensualismo inovador, em que a imagem do feminino assume tons sensoriais, repletos de perfumes, que se relacionam aos matizes da natureza crepuscular, orvalhada, colorida, densa, telúrica; ou se expande às relações míticas para as imagens de sereias, musas, deusas, ninfas, etc. A visão do feminino se manifesta desde as referências da mitologia oriental e suas personagens, bem como da exuberância das mulheres do seu chão, onde se misturam os sabores, perfumes e fábulas encantadas do imaginário popular: “Há gritos de dragões pelo ocaso tranqüilo,/ quando a filha do sol, de corpo de gazela,/ vem colher e beijar a carola amarela/ do lótus que se abriu no santo rio Nilo.” (Soneto Encantado. Obra Poética, p. 257); “(...) O meu sonho é um jardim de Fernabaso/ cheio de musas e pavões do Faso./ Meu amor virá hoje do Parnaso/ ou do país da mirra e do aloé?// Silêncio! Ela já vem. Pé ante pé./ É a filha de Ciro ou de Artabaso?/ É a estrela da alvorada./ Mas quem será! Meus Deus! É Salomé!” (Versos aos vinte anos. Obra Poética, p. 263/264).
A obra de Sosígenes Costa assume ainda uma característica de reflexão religiosa no tratamento de episódios e personagens bíblicos, não em tom doutrinal ou dogmático, mas em sintonia com as relações culturais e místicas que referenciam um universo em que se mesclam o sagrado e o profano, o divino e o pagão, a historiografia e a lenda. Percebemos tais considerações em poemas como “O sermão à beira do mar da Galiléia”, “Daí a César o que é de César” e o soneto sem título, datado de 1921, segundo o fragmento a seguir: “Vontade de ser Cristo às vezes sinto/ pra que Pilatos me apresente ao povo/ todo açoitado, as mãos no tronco, e tinto/ de sangue em pingos de amaranto novo.// Desse ideal azul não me demovo/ e vejo Herodes e com fel não pinto/ a mágoa com que escuto do recinto/ o “crucifique” que rebenta o povo.// Depois arrasto a cruz e rolo à areia/ e despem-me pregando-me na veia/ três cravos cujo ferro me gangrena.// Mas quando acabam de crucificar-me/ eu fico só no entanto sem o alarme/ do pranto embalador de Madalena.” (Sem título. Obra Poética, p. 251).
Assim, convém fechar as considerações desta tentativa de análise da poética de Sosígenes Costa, embora aqui apenas perfaçam considerações pouco aprofundadas sobre a sua complexidade como fazedor de versos, com um pensamento do professor de Literatura e Diversidade Cultural, Marcos Aurélio dos Santos Souza: “(...) Sosígenes abre um espaço intersticial entre os” sonhos" de uma identidade nacional e de uma identidade local, comunitária e imediata, confrontando-as com (e a partir de) uma interferência cultural alienígena. Esse lugar, deslizante e ambíguo, evita o erro de se essencializar qualquer uma dessas identidades, flagrando espaços vazios e instáveis, que permitem o cruzamento de elementos culturais como um processo complexo e, muitas vezes, conflituoso. O imaginário sosigenesiano, dessa forma, em vez de se fixar em um conjunto de elementos identificadores de uma cultura e de um nacionalismo, ondula-se em espaços de correspondências, onde a identidade só pode ser pensada em relação à diferença, e através da constituição de um sujeito descentrado. As zonas fronteiriças entre o local e o universal, o "eu" e o "outro", o nacional e o estrangeiro, se tornam tênues e frágeis, quando o poeta trabalha, indiferentemente, com aspectos de sua vivência(...).” (Identidade e Identidade Nacional em Iararana, de Sosígenes Costa. 1994.).


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

COSTA, Sosígenes. Obra Poética (ed. rev. e amp.). São Paulo: Cultrix-INL, 1978.

PAES, José Paulo. Pavão parlenda paraíso: uma tentativa de descrição críticada poesia de Sosígenes Costa. São Paulo: Cultrix, 1977.

SOUZA, Marcos Aurélio Santos. Antropofagia e Iararana de Sosígenes Costa. 1994. (
www.revista.agulha.nom.br/ag21costa.htm).

SOUZA, Marcos Aurélio Santos. Identidade e Identidade Nacional em Iararana, de Sosígenes Costa. 1994. (www.uesc.br/icer/artigos/iararana.htm).


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CURIOSIDADES BIOGRÁFICAS E LITERÁRIAS SOBRE SOSÍGENES COSTA



Biografia:
Sosígenes Marinho da Costa


(Belmonte BA, 1901 - Rio de Janeiro RJ, 1968). Estreou na imprensa por volta de 1928, em Ilhéus BA, onde foi colaborador do Diário da Tarde. No mesmo ano tornou-se membro da Academia dos Rebeldes, com Pinheiro Viegas, Jorge Amado, Edison Carneiro e Dias da Costa. Na época, trabalhava como professor de instrução primária. No início da década de 1950 foi secretário da Associação Comercial e telegrafista do Departamento de Correios e Telégrafos, em Ilhéus. Em 1959 ocorreu a publicação de seu livro “Obra Poética”, pelo qual recebeu o Prêmio Jabuti de Poesia, em 1960. Entre 1978 e 1979 foram publicadas a segunda edição, revista e aumentada, de “Obra Poética” e a póstuma “Iararana”, por iniciativa de José Paulo Paes. A poesia de Sosígenes Costa vincula-se à segunda geração do Modernismo. Segundo o crítico José Paulo Paes, "a ter como certas as datas de composição das peças enfeixadas na primeira parte da “Obra Poética”, quando ainda andava acesa a campanha dos modernistas contra o soneto em prol da institucionalização do verso livre, entretinha-se o poeta a escrever seus sonetos pavônicos, todos rigorosamente rimados e metrificados, nos quais são perceptíveis traços parnasianos e, sobretudo, simbolistas, ainda que tais sonetos nada tenham de passadistas, caracterizando-se antes por uma modernidade que se patenteia, como a de Quintana, na exploração criativa das possibilidades expressionais dessa forma fixa, então esclerosada pela prática mecânica e abusiva.".

Obras poéticas:

Obra poética. Rio de Janeiro: Leitura, 1959.

Obra poética. 2ª ed. rev. e aum. por José Paulo Paes. São Paulo: Cultrix; Brasília: INL, 1978.

Iararana. Introd. apuração do texto e glossário José Paulo Paes. Apres. Jorge Amado. II. Aldemir Martins. São Paulo: Cultrix, 1979.

Poesia completa. Edição comemorativa do centenário de nascimento de Sosígenes Costa – Salvador: Secretaria da Cultura e Turismo; Conselho Estadual de Cultura, 2001.


Da crítica, das referências e das homenagens:

Matos, Florisvaldo. Travessia de Oásis – A Sensualidade na Poesia de Sosígenes Costa – Salvador: Secretaria da Cultura e Turismo do Estado da Bahia: EDBA, 2004.

O triunfo de Sosígenes Costa – Estudos, depoimentos e antologia. – Seleção, organização e notas de Cyro de Mattos e Aleilton Fonseca – Ilhéus, Ba: UESC-Editus/UEFS-Ed, 2004.

Pólvora, Hélio. A Sosígenes, com afeto (no centenário de nascimento do poeta, em 14 de novembro de 2001) – Salvador,Ba: Edições Cidade da Bahia; Fundação Gregório de Mattos, 2001.

Paes, José Paulo. Pavão, Parlenda, Paraíso – uma tentativa de descrição crítica da poesia de Sosígenes Costa. São Paulo:Cultrix; Itabuna, Ba: PACCE, 1978.

Sosígenes Costa – Antologia Poética (CD comemorativo do centenário de Sosígenes Costa) – Coleção Poesia Falada, vol. 12. Editora Fonográfica Luz da Cidade e Fundação Cultural de Ilhéus, 2001.
Poesias de Crônicas Grapiúnas – por Nevolanda Pinheiro - (CD com textos gravados de Sosígenes Costa, Jorge Amado, Cyro de Mattos, Euclides Neto, Florisvaldo Matos, Hélio Pólvora, Firmino Rocha, Valdelice Pinheiro, Telmo Padilha e Fernando Mendes). Editora Fonográfica Luz da Cidade, 2001.


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