sexta-feira, 3 de setembro de 2010


* Uma breve Biografia: A saga de um contador de histórias quase por ele mesmo...




JORGE AMADO, UM CRIADOR DE SERES, UM CONTADOR DE HISTÓRIAS, UM CONSTRUTOR DE MUNDOS

Genny Xavier


"Nasci empelicado, de bunda pra lua, uma estrela no peito, a sorte me acompanha, tenho corpo fechado à inveja, a intriga não me amarra os pés, sou imune ao mau olhado. A vida me deu mais do que pedi, mereci e desejei. Vivi ardentemente cada dia, cada hora, cada instante, fiz coisas que Deus duvida, conivente com o Diabo, compadre de Exu nas encruzilhadas dos ebôs. Briguei pela boa causa, a do homem e a da grandeza, a do pão e a da liberdade, bati-me contra os preconceitos, ousei as práticas condenadas, percorri os caminhos proibidos, fui o oposto, o vice-versa, o não, me consumi, chorei e ri, sofri, amei, me diverti. (...)"
(Jorge Amado, Navegação de Cabotagem)

Filho do Cel. João Amado de Faria e de D. Eulália Leal Amado, a 10 de agosto de 1912, na fazenda Auricídia, em Ferradas, município de Itabuna, sul da Bahia - plagas que que ele mesmo chamou de terras do sem fim -, Jorge Amado viveu sua infância entre os cenários das fazendas de cacau, de onde, talvez, já tivesse extraído, da vida simples do povo, a substância original que povoaria o imaginário das histórias que mais tarde iria contar.

"Da coragem indômita nasceu a civilização grapiúna (os poetas, os ficcionistas, tantos), batida sobre o sangue derramado. Os coronéis do cacau, eu os aprendo, irão ser meus personagens nas histórias de espantar.(...)"
(Jorge Amado, Navegação de Cabotagem)

Mudou-se com a família para Ilhéus quando tinha um ano de idade, onde passou a infância e estudou os primeiros anos, desde então, passara a eternizar no coração aquela Ilhéus que mais tarde eternizaria em suas obras, radiografando seus costumes e tipos, suas aventuras e belezas.

"Eu aprendia os coronéis nas ruas de Ilhéus, os jagunços nas roças de cacau, cursava meus preparatórios antes de vir para as universidades dos becos e ladeiras da Bahia."
(Jorge Amado, Navegação de Cabotagem)

Em Salvador, já adolescente, estudou no Colégio Antônio Vieira e no Ginásio Ipiranga, onde ficaria até concluir o curso secundário. Os anos da juventude pelas ruas da cidade da Bahia deram ao Jorge Amado que conhecemos pela obra, o aprendizado popular, repleto de cheiros e gostos, temperos e delícias, crenças e costumes. Neste período de estudante, começou a trabalhar em jornais e a se envolver com os eventos culturais e literários da cidade. Foi um dos fundadores e participante ativo da Academia dos Rebeldes, fundada em 1928, sob os ecos da Semana de Arte Moderna (1922) e que, ao lado de outros grupos como os das revistas "Arco e Flecha" e "Samba", protagonizaram importante luta pela modernidade nas letras baianas.

"A Academia dos Rebeldes foi fundada na Bahia em 1928 com o objetivo de varrer toda a literatura do passado. (...) Não varremos da literatura os movimentos do passado, (...). Mas sem dúvida concorremos de forma decisiva (...) para afastar as letras baianas da retórica, da oratória balofa, da literatice, para dar-lhe conteúdo nacional e social na reescrita da língua falada pelos brasileiros. Fomos além do xingamento e da molecagem, sentímo-nos brasileiros e baianos, vivíamos com o povo em intimidade, com ele construímos, jovens e libérrimos, nas ruas pobres da Bahia."
(Jorge Amado, Navegação de Cabotagem)

No Rio de Janeiro, fez curso superior onde se tornou Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais da Faculdade Nacional de Direito. Diplomou-se em 1935, onde já havia publicado os romances "O País do Carnaval" (1931), "Cacau" (1933), "Suor" (1934) e "Jubiabá" (1935), entretanto, não haveria de exercer, ao longo da vida, a carreira jurídica.
Casou-se com a escritora Zélia Gattai em 1945, com quem viveu uma longa trajetória de companheirismo, aventuras e conquistas. Tiveram dois filhos: João Jorge, nascido no Rio de Janeiro em 1947, e Paloma, nascida em Praga (Tchecoslováquia), no ano de 1951, ocasião em que se encontrava exilado naquele país.

"Quando durante o Primeiro Congresso de Escritores Brasileiros, reunido em São Paulo nos inícios de 1945, me apaixonei por Zélia, comuniquei ao poeta Paulo Mendes de Almeida, meu amigo e amigo dela, apontando-a entre as muitas senhoras e moças que acorriam às sessões, umas poucas para acompanhar os debates, a maioria para namorar:
- Aquela ali vai ser minha mulher.
Paulo riu na minha cara.
- Aquela qual? Zélia? Jamais, não é mulher pra seu bico.
Não desisti, não tirei da cabeça, estava me roendo de paixão, fiz o que o diabo duvida, não deu outra, em julho Zélia veio morar comigo. Não vai durar seus meses, agouraram, dura até hoje."
(Jorge Amado, Navegação de Cabotagem)

Pela experiência artística e pela militância no Partido Comunista Brasileiro (PCB), foi eleito Deputado Federal, tomando posse na Câmara em Janeiro de 1946. Embora declarasse não ter muitas afinidades com as obrigações do mandato, posto ser avesso aos discursos e aos procedimentos parlamentares, foi responsável por leis que valorizaram e asseguraram à cultura, dentre estas, a emenda que garantiu a liberdade de crença religiosa no Brasil.
Em 1948, frente as turbulências políticas e a repressão aos movimentos de esquerda teve seu mandato cassado junto com outros companheiros de Parlamento. Neste mesmo ano foi para o exílio em Paris, onde ficaria até 1950. Depois em Praga, até 1952.

"(...) não nasci para parlamentar, sou refratário às tribunas e aos discursos, só amo fazer o que me dá alegria, o que me diverte. (...)"
(Jorge amado, Navegação de Cabotagem)

Ingressou na Academia Brasileira de Letras em abril de 1961 onde ocupou a Cadeira n° 23. Foi membro da Academia Letras da Bahia e membro correspondente da Academia de Ciências e Letras da República Democrática Alemã, da Academia de Ciências de Lisboa e da Academia Paulista de Letras.
Da sua profunda relação e identidade com os povos negros e com os movimentos contra o preconceito aos afro-descendentes, o amado Jorge, contador das histórias da miscigenada cidade de Salvador, ganhou o título de Obá do Axé do Opô Afonjá na Bahia.

"(...) o amor do povo imuniza contra a peçonha dos amargos. (...)"
(Jorge Amado, Navegação de Cabotagem)

Jorge Amado, o contador épico da saga do cacau nas terras do sem fim, o artífice de personagens inesquecíveis, o revolucionário planfetário dos subterrâneos da repressão, o lírico e o satírico da crônica de costumes do seu tempo, faleceu na Bahia, cidade de Salvador, em 06 de agosto de 2001. Faltavam, então, apenas qiatro dias onde completaria 89 anos. Deixou-nos mais que um legado de títulos e publicações, mas uma riqueza de universos culturais, contextualizados em fatos, tipos, ambientes e costumes que marcaram e marcam a identidade da região cacaueira , da Bahia e do Brasil.

"Não nasci para famoso nem para ilustre, não me meço por tais medidas, nunca me senti escritor importante, grande homem: apenas escritor e homem. Menino grapiúna, cidadão da cidade pobre da Bahia, onde quer que esteja não passo de simples brasileiro andando na rua, vivendo."
(Jorge Amado, Navegação de Cabotagem)

Referência Bibliográfica:

AMADO, Jorge. Navegação de Cabotagem. Rio de Janeiro: Record, 1992.


Edições de "Navegação de Cabotagem"

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Edições de "A Descoberta da América pelos turcos"


Itabuna de Jorge Amado


Cyro de Mattos

A recriação literária da civilização do cacau na Bahia tem seqüência em Jorge Amado com o pequeno romance A Descoberta da América pelos Turcos ou de como o árabe Jamil Bichara, desbravador de florestas, de visita à cidade de Itabuna para dar abasto ao corpo, ali lhe ofereceram fortuna e casamento ou ainda os esponsais de Adma. Neste romance publicado em 1994, Jorge Amado volta a apresentar as marcas inconfundíveis de sua arte: fluência na escrita, facilidade de fabular e gozo pela vida. Recorre ao riso para contar a saga de sírios e libaneses no Sul da Bahia quando tinha início o plantio das roças de cacau e a construção de casas em vilarejos e pequenas cidades.

Para Jorge Amado, a Descoberta da América, como afirmavam com orgulho os que descendiam dos descobridores, ou a Conquista como diziam os que descendiam dos índios exterminados, dos negros escravizados, não acontece 411 anos após a epopéia das caravelas de Colombo, mas no começo do século dezenove e com grande atraso. Foi protagonizada pelos turcos, “que não são turcos coisíssima nenhuma, são árabes de boa cepa.” Deu-se então a Descoberta ou a Conquista quando sírios e libaneses aportaram no eldorado do cacau, vindos das montanhas do Oriente médio em época até certo ponto recente.

Situações engraçadas predominam em A Descoberta da América pelos Turcos, romancinho armado com desventura e premonição de felicidade em seus episódios extraídos da vida real. Passagens com humor árabe acontecem na pequena cidade de Itabuna, agora aparecendo pela primeira vez com destaque no espaço da civilização cacaueira baiana, definido como um dos filões ricos da novelística amadiana. Com o seu comercinho novo, o burburinho na estação do trem, igreja e capela. Hotel dos Lordes, cabarés, botequins, pensões de prostituta, fuxicaria na política, desmando dos jagunços armados, tropas carregadas de cacau nas ruas. A recente cidade de Itabuna como um burgo de penetração exibe-se sem retoques e ilusionismo, marca sua presença num cenário divertido da vidinha movimentada e turbulenta.

O leitor desse livro de Jorge Amado vai conhecer situações urdidas por negócios e mistérios de cama, com sua ironia e trama no tecido da vida. Acompanhará o libanês Raduan Murad nas tentativas de encaminhar Adma para Jamil Bichara e Adib. Este um garçom de botequim, lanzudo feito um dromedário, esperto na cobrança e no troco, cujo defeito era ser jovem para a solteirona. Nesse ambiente de pioneirismo e aventura sobressai de novo o relato povoado daqueles personagens característicos de Jorge Amado, como Jamil Bichara, Raduan Murad, Ibrahim Jafet, Adib, a sultana Sálua e a prostituta Glorinha Cu de Ouro.

Com uma estrutura simples, A Descoberta da América pelos Turcos não representa algo de novo no conjunto da obra amadiana, mas não deixa de ser um fato marcante, dado que foi escrito por autor perto dos 82 anos, idade em que muitos já esgotaram suas compulsões e recolheram suas habilidades usadas na arte da criação literária.

Nos seis livros de ficção que abordam a civilização cacaueira baiana, percebe-se sem esforço que Jorge Amado é um escritor de linguagem despretensiosa em sua maneira fraternal de conceber o mundo. Fica nítido que para ele é mais importante o conteúdo, muitas vezes interligado com humor e trama, do que a palavra com a qual a vida é recriada. Intimo dos ficcionistas norte-americanos comprometidos com a realidade social do século vinte, romancistas russos de inspiração proletária, poetas populares, Jorge Amado enfatiza o regional dando vigor ao nosso nativismo, no sentido de que como ato de amor plantado na terra recria a vida, integra nossa gente, costumes, alma e história na cultura nacional.


Jorge Amado, Zelia Gattai e Cyro de Mattos no Bar Vezúvio, em Ilhéus/BA.


Peripécia de Jorge Amado


Cyro de Mattos

Eu te louvo pelos oprimidos
Nos subterrâneos da liberdade,
Teu pulso erguido com amor
Fale da seiva de servos,
Calo sem orvalho na trama
Do ouro vegetal com rifle na curva.
Teu verde galope indormido,
Na seara vermelha tua face
Carregando sede e fome,
O olho do sol crepitando
Céu de fogo na aurora,
Fósforo aceso no crepúsculo.
Teu riso leonino fendido
Com os capitães de areia,
Esse trauma de ladeiras
e ruas do mundo sem teto
Escondido na hora da ciranda.
Eu te louvo no peito lírico.
A garra de Teresa Batista,
Fome de Dona Flor, agreste Tieta,
Rosa de Gabriela, cravo de Nacib.
Quem te fez pastor da noite,
Vasco Moscoso, flor do povo,
Pedro Bala, amado guerreiro,
Boêmio, malandro, meretriz, violeiro,
Guardador de chaves africanas,
Verdade absoluta em Pedro Arcanjo,
Duas mortes de Quincas Berro D'água,
Gargalhada da Bahia ao infinito?
Ó meu capitão de longo curso
Tua cidade de mares e ventos
Amanhece repetida em foguetes,
De estrelas e atabaques anoitece,
Nos terreiros orixás estão descendo.

* Cyro de Mattos, nascido em Itabuna, é autor premiado no Brasil e exterior. Atualmente ocupa o cargo de presidente da Fundação Itabunense de Cultura e Cidadania (FICC - Itabuna/BA.)

7 comentários:

São disse...

EStupenda lembrança a de aqui recordar o grandíssimo Jorge Amado, cujos livros me deram a conhecer melhor o Brasil do que os estudos académicos.

Bom domingo, minha querida.

Rodrigo Gonçalves.. disse...

Parabéns!!! Maravilha de história. Vc como sempre um espetáculo no mundo particular e universal das Letras.

Mar Arável disse...

Um criador

por vezes mal amado

como se os céus
estivessem carregados de estrêlas

Agradeço este momento

Manuel Veiga disse...

Excelente, minha amiga.

devo muito de meu gosto pelas "letras" (passe a presunção) ao meu velho "Capitão" ... de areia, Jorge Amado. a que quero associar Ferreira de Castro e inesquecível "Selva"...

ambos me ajudaram a compreender o Mundo(e seus "subterrâneos") e amar o Brasil...

amei seu trabalho.

beijos

batista disse...

Apesar das dificuldades que a literatura brasileira enfrenta em aumentar os seus leitores, Jorge Amado consegue se manter "bem" amado, rss!

O teu post é uma belíssima homenagem a quem merece.

Um abraço fraterno.

Rosamaria disse...

Lindo trabalho, Genny! Parabéns! Parabéns também pela exposição que organizaste.
Gostei muito de ficar conhecendo mais sobre este grande escritor.

Vou te contar uma estória: uns 10 anos depois de casada fiquei sabendo que, assim como o Jorge Amado disse para o amigo que ia casar com a Zélia, meu marido disse para um amigo dele que ia casar comigo sem nem mesmo termos sido apresentados.
E como o Jorge Amado e a Zélia, espero ficar com ele até o fim dos meus dias.
Obrigada pela visita!

Bjim pra ti e pro sumido do meu amigo Guilherme.

Mah disse...

Honra a minha de ter uma pessoa tão importante na arte e literatura, comentar em meu blog.
Confesso que não acreditei
hahahaha
Muito Obrigada, e por aqui, como sempre, encantador, lindo e reluzente
Grande beijo, grande!