sábado, 11 de julho de 2009

O que nos identifica o novo?


RESENHA: Genny Xavier


HALL, Stuart. “A identidade cultural na pós-modernidade”. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. p.67-89.


Stuart Hall nasceu em 3 de fevereiro de 1932 em Kingston, Jamaica. É um teórico cultural que trabalha na Grã-Bretanha desde 1951. Ele contribuiu com obras chave para os estudos da cultura e dos meios de comunicação, assim como para o debate político. O pensamento de Hall passa por convicções democráticas e pela aguçada observação da cena cultural contemporânea.


No livro A identidade cultural na pós-modernidade, Stuart Hall apresenta concepções de identidade que permeiam uma compreensão dos indivíduos em seu tempo e espaço contemporâneo. Inicialmente, sua análise está relacionada ao sujeito do iluminismo, um indivíduo centrado, unificado e dotado de razão e consciência. Prossegue seu estudo relacionando o sujeito sociológico pela manutenção de uma essência cuja identidade é formada pela interação entre o “eu” e a sociedade. E, finalmente, direciona sua análise ao sujeito pós-moderno, cuja identidade está em mutação.
No capítulo 4 da obra , que se intitula “Globalização”, Hall apresenta uma série de pressupostos que nos dão conta das novas formas de representação das sociedades atuais frente a “modernidade” e como as identidades se modulam e se deslocam diante de suas nacionalidades e particularizações de tempo e espaço. A esse complexo de mudanças interacionais ele chama de “globalização”. Para o entendimento dessa questão, o autor referenda conceitos de outros autores como Anthony McGrew, que refere-se a globalização como um fenômeno que atravessa fronteiras nacionais e integra comunidades em novas relações de espaço-tempo, mudando assim o conceito clássico sociológico de que as sociedades são sistemas delimitados por uma ordenação espacial e temporal. Para Hall, esses novos aspectos da modernidade, presentes nestas novas formas de relações, ampliam a idéia de comunicabilidade entre sociedades e de como essas podem interagir entre si, enfatizando desta forma as questões mais relevantes da globalização na modernidade.
Nas abordagens que prevalecem essas novas idéias sobre identidade cultural nas sociedades contemporâneas, ele enfatiza três aspectos básicos: as identidades nacionais se desintegram a partir da homogeneização cultural e do "pós-moderno global"; as identidades sejam nacionais, locais ou particulares, estão sendo reforçadas pela resistência à globalização e as identidades nacionais, apesar do processo de declínio, se transformam em novas identidades híbridas que estão tomando seu lugar.
Ainda no capítulo 4, no item do qual especifica “Compressão tempo-espaço e a identidade”, Hall enfatiza o impacto da globalização sobre as identidades nacionais a partir da aceleração dos processos globais que nos dão conta de como se pode sentir e perceber o mundo pelo encurtamento das distâncias e rapidez na transmissão da informação. Pela globalização e seus processos de inter-comunicação os conceitos que sempre nos foram forjados para o entendimento do mundo estão sendo completamente mudados, modificando nosso olhar espacial e temporal para se atingir o que antes seria inatingível. A pré-modernidade nos dava um sentido de presença localizada, e isso permeava nosso “estar” no mundo. A modernidade supera essa dimensão de espaço e tempo antes pré-determinados pela presença dos indivíduos em suas sociedades, agora penetrados e reestruturados por uma nova ótica das distâncias. Os lugares, embora permaneçam fixos e enraizados em nós, nos dizem que os espaços agora podem ser cruzados num piscar de olhos e em tempo real.
No item intitulado “Em direção ao pós-moderno global”, ainda no capítulo citado, Hall questiona os argumentos de alguns teóricos, como Kenneth Thompson, contrários ao processo de globalização como responsável pelo enfraquecimento das formas nacionais de identidade cultural, provocando a fragmentação dos códigos cultuais, a multiplicidade de estilos com ênfase no efêmero, no flutuante, no impermanente e no pluralismo. Mas o autor aborda que esse processo é crescente, irreversível, nos mostrando um quadro que poderíamos chamar de pós-moderno global, em que este nos dá possibilidades de “identidades partilhadas” e referendam aos estudiosos que nesta nova concepção e prática existencial, onde as culturas nacionais estão mais expostas a influências externas, se torna difícil conservar as identidades culturais intactas ou impedir que estas sejam modificadas pelas relações promovidas por esta nova forma de apreensão do mundo.
É evidente perceber que as questões relevantes desses argumentos e contra-argumentos sobre os efeitos do pós-moderno global se dão pela sempre existente tensão entre “global” e “local”, entre “universalismo” e “particularismo” na transformação das identidades.
No capítulo 5, intitulado “O Global, o Local e o Retorno da Etnia”, Hall examina como a globalização, em suas formas mais recentes, tem um efeito sobre as identidades a partir de novos modos de articulação dos aspectos particulares e universais da identidade ou de novas formas em que estas “tensões” se processam.
Neste capítulo, o autor inicia sua argumentação questionando os possíveis exageros ou as análises simplistas em torno de uma crítica a homogeneização cultural dentro do curso das identidades num mundo pós-moderno. Holl não acredita como provável que a globalização vá simplesmente destruir as identidades nacionais, mas que esta vá produzir novas identificações “globais” e “locais” de forma simultânea. Analisa também mais dois aspectos em que se apóia a crítica à homogeneização cultural dentro do processo globalizante: a desigualdade na distribuição da informação ao redor do globo como uma “geometria do poder” da globalização (na visão de Doreen Massey); e a questão de se ter idéia do que se é mais afetado por ela, frente ao fluxo desequilibrado das relações desiguais de poder cultural entre o Ocidente e o resto do mundo, se fazendo inferir que a globalização, embora por suposição, seja algo que afete o mundo inteiro, seja, por essência, um fenômeno ocidental.
O capítulo 5, dimensiona ainda que embora se defenda a idéia de que o capitalismo global seja hoje uma força transcendente e universalizante, ele é, na verdade, um processo de ocidentalização dos valores e das prioridades do Ocidente. Mas, pela globalização, o Ocidente e as populações “estrangeiras”, tidas como periféricas, são compelidas a uma troca entre seus valores, ainda que dispares. Não se pode defender hoje a idéia de que as sociedades, seja pelos valores do imperialismo ocidental, seja pelos valores distintos do oriente, são fechadas, etnicamente puras, culturalmente tradicionais e intocadas. Percebe-se, claramente, que dentro do processo de pós-modernidade, a globalização mostra seus efeitos em toda parte, seja no Ocidente ou no Oriente.
No item que se intitula “The rest in the west (o resto do ocidente), Holl apresenta três qualificações das três possíveis conseqüências da globalização no que tange à homogeneização das identidades globais: como caminho paralelo que reforça as identidades locais num procedimento de compressão espaço-tempo; como processo desigual que possui sua própria geometria do poder e como veículo que retém aspectos da dominação global do Ocidente, mas que, ainda assim, as identidades culturais conseguem relativizar o impacto da compressão espaço-tempo em toda parte. Para análise desta última questão, coloca o fenômeno crescente da migração em todo mundo, como maior exemplo. Salienta que a recente atuação da interdependência global relaciona sentidos diversos não ordenados que se direcionam no movimento das periferias para o centro das potências ocidentais. Empurrados pelos problemas sociais, políticos e culturais de várias naturezas e instâncias, as populações de pouco poder aquisitivo das várias regiões pobres do mundo apostam no anúncio do consumismo global, migrando para locais economicamente desenvolvidos em busca de melhores chances de vida. A idéias da formação de grupos étnicos minoritários no interior das potências ocidentais provocou uma pluralização de culturas e identidades nacionais.
No último item do capítulo 5, que se intitula “A dialética das identidades”, Holl pressupõe a discussão que dimensiona a questão da identidade nacional e da centralidade cultural do Ocidente. Mostra que num mundo de fronteiras dissolvidas e de valores rompidos por várias influências, não se pode manter conceitos tradicionais imutáveis. Questiona os sentimentos, a problemática e a coerência da condução de uma identidade seja européia, americana ou japonesa integrais, hoje impregnadas pelo imediatismo e pela intensidade das confrontações globais.
Nessa dialética, percebem-se os efeitos desse processo através da ampliação e proliferação de possibilidades que marcam as identidades e suas novas posições. Esses aspectos podem constituir as conseqüências já citadas do processo de globalização: a de que ela possa levar a um fortalecimento de identidades locais ou ao cultivo de novas. Sobre esse fortalecimento das identidades locais, Holl salienta o risco da xenofobia, da exclusão ou do racismo cultural, marcados pelas reações defensivas de grupos étnicos dominantes que se sentem ameaçados por outras culturas. Utiliza também o conceito de deslocamento segundo Laclau e Mouffe, que apontam como estrutura deslocada aquela cujo centro é deslocado sem, no entanto, ser substituído por um outro, mas sim por uma pluralidade de centros de poder. É nesse sentido que a identidade está sendo deslocada ou “descentrada”. E sem um centro estável, além da desarticulação da coerência do passado ou das tradições, há a possibilidade de novas articulações no presente e novas visões de mundo. Ou seja, a criação de novas identidades.
Como resultado conclusivo que, para Holl, também pode ser provisório, a globalização provoca o efeito de contestar e deslocar identidades fechadas ou centradas, pluralizando e produzindo uma série de possibilidades e novas posições de identificações que aludem posições mais políticas, plurais e diversas.

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